Qual o preço que o escritor paga para transmitir algo de si nessa busca pela ‘palavra certa’?

Gorgolejando processos pessoais.

Bruno Morais
7 min readApr 12, 2021

Todo mundo é escritor. Eu respeito muito a fantasia que cada um elabora para sustentar a própria existência. Me compadeço dessa dinâmica.

Há uma alienação entre o que está fora e o que está dentro. Cada alma cria o seu próprio mundo nessa combinação, transforma-se. Percebemos o mundo como somos, não como ele é.

A natureza humana cada um pode conhecer a partir de si mesmo, sendo honesto. Dito isso, eu escrevo às vezes. Diante de milhares de honestidades possíveis eu escorro. A maior parte do dia eu escrevo em silêncio. Ficar em silêncio também é conversar. Escrevendo-as ou não.

A vida te trata como você se trata, não tem como fugir. Essa é uma conversa que você escreve vivendo, tem gente que diz que vira experiência. Um mundo onde você caminhou, um mundo de fora pra dentro. Uma utopia ocidental de 2 pernas que insiste em se levantar após inúmeros bandões da distopia.

Poderíamos sonhar com os mundos distópicos, mas não nos atreveríamos vivê-los. A vida em si é a mais pura distopia, mas suportá-la implica em vestir as lentes da fantasia. Muda-se o gênero, torna-se realidade em ficção muitas vezes. E assim, a imaginação acaba por decidir destinos.

Escreve-se e passa a borracha, a magia da vida é sobressalente ao tom perene da existência da borracha que apaga caneta. Essa mesmo. Até que uma hora do dia para e lê-se. Visualiza-se. Compromete-se. Imagina-se. Apagar pra que?

‘Vai, vai, vai, disse o pássaro: o gênero humano não pode suportar tanta realidade.’ Há de criar todas as formas, contos e equívocos para lidar com ela. Um dos meus contos preferidos é o de que ainda há tempo. Hoje ainda vou na da Martinha;

‘Recado para os cansados: ainda dá tempo. Para os desiludidos: ainda dá tempo. Para os frustrados: ainda dá tempo. Para os desiludidos: ainda dá tempo. Para os desistentes: tente um pouco mais. Você respira? Então ainda dá.’ Martha Medeiros.

Talvez haja tempo para perceber que a palavra certa mora dentro de todas as palavras e silêncios. É uma certa palavra, que pula de pessoa em pessoa por dia até o fim do dia. Cabe a você espreitá-la e ver a beleza desses segundos.

‘Se quiser saber onde está o seu coração, veja para onde vai a sua mente enquanto você passeia.’ Walt Whitman.

‘Quanto mais entender, mais amará; quanto mais amar, mais entenderá.’ Thich Nhat Hanh.

Escrevo isso num domingo, ouvindo uma música em que percebo como minha percepção sobre ela e sobre o mundo mudou, ganhou histórico, existência, diria que até ela, a alcunha da experiência, se apresentou. 27 quase 28 anos de mundo. Mundos. Cheios de memória afetiva, culpa social, culpa católica, etc. Mas não só.

A culpa gera ansiedade. Começamos a responder perguntas que ninguém fez. O inseguro vive concluindo pelos outros. Arruma guerras porque ele está em guerra. Já tive muito combustível pra esses comportamentos, hoje entupi o tanque de espelhos, vou encher e já vejo meu reflexo irado, não abasteço, não tanto.

Ouvi uma notícia na tv.

Tendo a pensar que o sofrimento, a angústia e o mal-estar são grandes motores da humanidade. Mas essa frustração indizível da pandemia brasileira não entra nesse patamar, é pura perversão. Não consigo enfraquecer esse contexto em mim, por hora.

Coloca-se a máscara e logo vem a angústia. A memória afetiva. Não sabia se aquela seria a última vez que a veria ou não, mas não é curioso que essa seja a realidade de todos os momentos que ignoramos? A constatação de que estamos sempre partindo.

Nascemos pela manhã e partimos ao dormir, em um ângulo real. Gerenciar a existência tem sido um fluxo intenso esses dias.

‘Natureza da gente não cabe em certeza nenhuma.’ Guimarães Rosa.

‘Somente os tolos exigem perfeição, os sábios se contentam com a coerência.’ Provérbio Chinês.

É um seguir a vida parando a todo instante pra constatar que não dá pra assimilar nenhuma dessas mortes. E a gente que fica, que turbilhão. Agonia, angústia. O Brasil vive uma crise cognitiva. Não compara, não analisa, não interpreta, não entende.

Me parece que nunca estivemos tão cientes do desamparo enquanto coletividade. Que a gente não paralise frente ao horror que estamos vivendo, mas que a gente não o negue, na impossibilidade de absorvê-lo.

Podemos pensar a pandemia como uma condição-limite na qual, considerando a singularidade de cada um, apresentam-se poucas condições de dar contorno simbólico aos acontecimentos. Realidade extrema pra todo lado, tem sido assim. Saara e Tromba D’água emocional.

‘Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história.’ Hannah Arendt.

Que deixemos as frestas de delicadezas que volta e meia chegam para nós, nos tocar. É dela que vivemos. Preciso. Amor fati.

Sobre elas, sempre que leio sobre a fantasia de completude na psicanálise me lembro de Plotino. Uma estética da busca pelo Uno, a completude e realização original de tudo que é vivo.

Nas Enéadas, ele fala sobre amor enquanto um gênio, filho de Poro e Pênia. O amor é a união da completude e da falta, do cheio e do vazio. Há algo mais bonito? Enquanto amar não for um traço de caráter, amaremos só quem se parece com a gente.

O convite ao amor não é ‘me complete’, mas sim ‘vem faltar comigo’. Vem rachar o aluguel, um carnê comigo. Amor é verbo.

Hoje me sinto mais aberto para o amor, e também me sinto mais tranquilo caso ele não seja pra mim. A pandemia já me esticou de tantas formas. Da vida, no bruto, eu só quero a paz e a leveza, cansei de carregar fardos pesados que não eram pra mim. Eu vivo o amor que quis viver. Eu sei quem sou, me perco, me busco, sei. Eu existe em plenitude. Eu demoro, mas revejo isso toda vez.

Auxílio.

Estar com alguém que entende como a sua mente funciona ou copiosamente o universo te manda um lembrete do esforço desse alguém, com humildade, tocando suas leves camadas de percepções, ritmos únicos e conseguir cerzir uma trama interessante de diálogos amorosos, tocando sua pele interior, é outro tipo de intimidade. O resto é interesse social. Desejo isso a você, a mim.

Viver uma vida autêntica é vencer a morte, porque não importa quando ela chegue, eu já fiz o que queria fazer, amei como pude. É daí que eu quero partir, é daí que eu quero nascer, diariamente. Do meu ‘fazer’ possível. Da coragem de ser imperfeito. Da coerência de se dar essa permissão.

‘(…) as pessoas ocasionalmente adoecem precisamente no momento em que um desejo profundamente enraizado e de há muito alimentado atinge a realização.’ Freud.

Afinal, nada me aproxima mais da infância do que manter a calma apenas enquanto a minha vontade está sendo feita. É possível ‘sofrer melhor’ sim. Análise! Análise! Análise! A falta do básico, faz querer mais que o necessário. Em muitos âmbitos. Em muitos gêneros.

Falo rememorando lugares muito sufocantes que já habitei emocionalmente e agradecendo por ter alcançado certa firmeza em impor um limite de até onde o outro pode me machucar. No fim, pouquíssimas coisas podres que eu sentia eram de fato minhas.

Não é sobre se colocar uma armadura ou viver em defensiva pra se proteger. É mais sobre entender que certas coisas são sagradas e são só nossas e não precisam ser compartilhadas.

Aprendi: no predomínio do imaginário, quem muito mostra, muito quer ocultar? — não foi indireta, você que está com a consciência pesada.

‘A obrigação do sucesso é uma corrida contra a angústia.’ Jorge Forbes.

Ninguém faz análise porque tem um sintoma, quem não o tem? As pessoas fazem análise quando o sintoma fracassa. A psicanálise não é um discurso de oposição, mas uma indagação.

‘Alguém que procura um analista está buscando um terapeuta que não se intrometa em sua vida.’ Disse minha professora em um seminário, cheia de si, experienciada. Concordei.

Gostoso mesmo é quando o ego tá sob momentâneo controle e a gente não precisa ficar buscando validação em quase ninguém.

‘Toda dor causa lágrimas, mas o que a torna intolerável é que quem a sofre se sente separado do resto do mundo; compartilhada, pelo menos deixa de ser um exílio.’ ‘Não há uma pegada do meu caminho que não passe pelo caminho do outro.’ Simone de Beauvoir.

Pra ser feliz é necessário uma enorme coragem. Ser infeliz qualquer um pode ser. Ver negatividade nas coisas é fácil, mas pra ver beleza e alegria nas coisas mais simples é necessário uma grande alma. Osho.

Cansei de acordar com a minha motivação perdida em alguma esquina por aí. Acordar bem murchinho, igual bexiga veia amanhecida de festa infantil. Acordar e precisar de um guincho pra me tirar da cama e erguer o peso do meu coração.

Ainda bem que existem algumas pessoas (bem na espreita) que restauram a nossa fé no ser humano, na elegância, na gentileza e transparência. Obrigado por isso, pessoas. Essas vão comigo pra sempre, espero. É muito bom se sentir cuidado.

‘O coração, se pudesse pensar, pararia.’ Fernando Pessoa.

HAY QUE SE ENDURECER PERO SIN PERDER LA TERNURA JAMÁS. Guevara!

‘E desde então, sou porque tu és. E desde então és, sou e somos… E por amor Serei… Serás… Seremos.’ Pablo Neruda.

E elas não param de vir, as tardes de domingo. Amém? Amém! Amem! As tardes de domingo reforçam o que há do lado de dentro. Prepare-se. Remeta-se. Desconjunte-se.

É na subida que a canela engrossa, patrão. Sigo!

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Bruno Morais

imagination decides everything. metáfora, metalinguagem, metamor e metanóia. escrevo com pretensões de organização emocional e aceitações em geral.